Durante 30 dias, o
país do futebol e dos milhões de técnicos preferiu falar de transportes, saúde
e educação. Nada de esquemas táticos ou escalações. O tema era a PEC 37.
Parecia uma nação nova, renovada, cheia de energia. O Dapieve chegou a dizer
que as manifestações trouxeram a libido de volta à política. É verdade. Mas
será que os jovens se apaixonaram mesmo pela vida pública ou estavam apenas
“ficando”?
Claro que não dava
para manter aquele tesão o tempo todo, mas entre um casamento monótono com a
pátria e o priapismo cívico há um espaço que precisa ser ocupado. Se isso não
acontecer, podemos ter mais um caso grave de frustração coletiva. Como muitos
outros que já vimos por aqui. Houve um tempo, por exemplo, em que o fim da
ditadura era o objetivo único e óbvio. A volta da democracia resolveria todos
os nossos problemas. A história mostrou que não era bem assim.
Depois vieram as
lutas pelas eleições diretas e pela Constituinte. Se elegêssemos os nossos
representantes e deixássemos claro na Constituição quais seriam os direitos e
deveres de todos não haveria mais dúvidas. Seríamos, enfim, um país grande. Mas
como isso podia ser possível com uma inflação de 235% ao ano? É verdade. Vamos
brigar contra esse dragão e acabar logo com o sofrimento.
Pronto, tudo resolvido.
Já temos eleições diretas, uma boa Constituição e estabilidade econômica. O que
mais se pode querer? Aí algum chato lembra que somos um dos países mais
desiguais do mundo. Com mais de 40 milhões de miseráveis. Como é que ninguém
foi pensar nisso antes? Realmente é inaceitável. Nesse tempo, nas palavras de
ordem dos jovens, educação rimava com feijão: “Arroz, feijão, saúde e
educação”. Tinha também o “Fora FMI”. Uma espécie de FIFA da época.
Em cada um desses
momentos da nossa história houve uma enorme esperança de mudança na população.
Não era só o episódio de uma novela, mas o grande final. Um pênalti aos 44
minutos da decisão que teimava em continuar empatada. Agora vai, sonhavam
todos. Mais ou menos como acontece agora. Ou seja, é tudo uma questão de
perspectiva ou de expectativa.
Quem tem uma visão
Tabajara da vida pode pensar que “seus problemas se acabaram” sempre que um
movimento novo surge ou um candidato diferente aparece. Não é bem assim. Por
mais chato que pareça, as conquistas serão sempre lentas e graduais. Um passo
de cada vez. Anda-se mais rápido quando há vigilância sistemática e cobrança.
Por isso, seria bom que as manifestações não acabassem. E que elas ganhassem
filhotes nos diversos fóruns de decisão.
Com o fim da Copa
das Confederações, foi junto o hino cantado à capela, o acampamento na porta do
Antiquarius e a greve geral que aconteceria na última segunda-feira. Mais um
dos muitos boatos que circulam impunemente pela internet. Ficou a redução de 20
centavos no preço da passagem, a rejeição da PEC 37 e a destinação de 75% dos
royalties do petróleo para a educação e de 25% para a saúde.
Os índices de
aprovação de prefeitos, governadores e da presidente Dilma despencaram. O que é
muito bom para tirá-los da antiga zona de conforto. Mas não resolve nenhum
problema prático. Fora isso, voltamos ao marasmo de antes. As propostas do
governo, boas ou ruins, são criticadas pela oposição. A Constituinte exclusiva
para a reforma política foi abatida em pleno voo e o plebiscito vai pelo mesmo
caminho. Sob o estranho argumento de que o povo não saberia votar.
Ele não só sabe
como deve votar e participar muito mais. Criar ou regulamentar essa tal de
democracia participativa talvez devesse ser o grande objetivo dos protestos. Se
as associações de moradores, os centros acadêmicos e os sindicatos estão
ultrapassados, são coisas de velhos, que se construam outros mecanismos de
discussão e participação política. A internet é apenas um meio, não é um fim.
Não representa ninguém.
Se não for assim,
vamos continuar vendo políticos, analistas e jornalistas, como eu, tentando
adivinhar ou traduzir o que a voz rouca das ruas anda dizendo. Mudar realmente
o país dá um pouco mais de trabalho. Para que os protestos sejam sustentáveis,
no sentido original da palavra, é preciso dedicação, foco e responsabilidade.
Entender que o mundo não é preto e branco. Ele é cinza, e com vários tons
diferentes. Mocinhos e bandidos só existem nos desenhos animados.
Coluna publicada no
Globo de 4.7.2013 por: Agostinho Vieira
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