segunda-feira, 22 de julho de 2013

É preciso restaurar a confiança na economia, diz presidente do BC

Para Alexandre Tombini, governo precisa definir o ajuste fiscal e deixar claro como esse objetivo será alcançado. Veja a entrevista ao Estadão de ontem: 

O presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, afirma que está em campanha para recuperar a confiança das pessoas na economia. Para ele, o processo de retomada do crescimento foi prejudicado por um abalo de confiança que trava os investimentos. "É necessária uma reversão dessa confiança para a economia continuar no processo de recuperação gradual", diz o presidente do BC.
Questionado sobre se o governo vai cumprir a promessa de fazer um ajuste nas contas públicas, Tombini afirma que essa decisão não passa por ele. Mas entende que o governo não pode deixar dúvidas sobre suas intenções e assumir um compromisso. "O importante é que o governo defina. E, quando definir, forneça um detalhamento à sociedade sobre como isso será alcançado."
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Na última ata do Copom, um dos pontos que mais chamaram a atenção foi a afirmação de que houve queda na confiança de famílias e empresas na economia. Por que chamaram a atenção para isso?
O combate à inflação vem no sentido de agregar, de ajudar a restabelecer a confiança. Tem esse condão também. Nós vínhamos num processo de recuperação, o PIB cresceu 0,6% no primeiro trimestre, talvez cresça um pouco mais no segundo. Agora, esse processo pode sofrer um impacto. Um abalo em função da (falta de) confiança, que impacta o investimento. É necessária uma reversão dessa confiança para a economia continuar no processo de recuperação gradual.
A economia deu uma parada em junho e julho, não?
Não tem dados ainda. Mas parece que não está bom, não.
Como o governo pode reagir? A inflação ainda está pressionada...
O Banco Central tem a missão de trazer a inflação para a meta e é isso que estamos fazendo. O crescimento tem um número grande de variáveis, mas acho que passa por restabelecer a confiança. Também tem os investimentos públicos, que estão no forno.
O outro lado da confiança, além do trabalho do Banco Central, é o ajuste das contas públicas. O governo tem sido muito cobrado para fazer um ajuste fiscal. Mas os sinais que ele dá são confusos. Uma hora parece concordar, na outra recua. Na sua opinião, é momento de um ajuste fiscal mais rigoroso ou com esses dados de crescimento é melhor esperar?
É o governo que tem de definir isso. Nós não participamos desse processo, não cabe ao Banco Central. Agora, o que o governo definir, tem de definir claramente, dizendo como vai chegar - isso é que é importante. O ajuste fiscal não é insensível ao estado da economia. Tanto é que (o superávit primário) já não é mais 3,1%, está em outro nível. O importante é que o governo defina e, quando definir, forneça um detalhamento para a sociedade sobre como isso vai ser alcançado.
Essa indefinição atrapalha o trabalho do BC?
Não. O Banco Central toma isso como um dado exógeno. É assim, vai ser assim, vai continuar sendo assim. Quem define é o governo, para a (retomada da) confiança é importante que defina e diga como vai ser alcançado. Nós, lá no Banco Central, vamos pegar esse dado e colocar na nossa conta para definir a política.
A política fiscal hoje é expansionista?
Hoje é expansionista. Está na ata, eu não poderia contradizer a própria ata, que ainda está fresca.
Os fabricantes de máquinas dizem que estão com a carteira de encomendas mais fraca dos últimos anos. Vocês percebem essa queda nos investimentos?
As pesquisas recentes mostram que o investimento veio um pouco mais fraco neste terceiro bimestre. Agora, a recuperação à frente depende do restabelecimento, do fortalecimento da confiança. O Banco Central pode contribuir com sua parte. Ou seja: inflação menos pressionada, perspectiva de inflação menor para a frente, remover um pouco deste risco. Por outro lado, cuidar também deste momento de maior volatilidade (do câmbio), como estamos fazendo.
Os economistas, em geral, estão pessimistas com o futuro imediato. Alguns, mais 'apocalípticos', falam em uma crise séria no ano que vem. Os mais 'otimistas' falam em crescimento mais baixo e a inflação ainda alta. Qual é o seu cenário?
A inflação mais baixa, certamente. É o cenário factível. Vamos ver essa inflação mais baixa já refletida nas expectativas (projeções de mercado).
A taxa de inflação vai bater no topo da meta (6,5%) este ano?
Este ano já falei o que vamos entregar, que é uma inflação mais baixa que a do ano passado. Foi 5,84% (em 2012), este ano vai ser mais baixa. A inflação acumulada em 12 meses atingiria um pico em junho, o que de fato ocorreu. Depois, começaria um processo de queda durante uns dois meses, influenciada por questões sazonais, pela queda de preços dos alimentos, e depois teve a redução das tarifas (de ônibus) que foi um "plus" no processo. Mas a nossa política de combate à inflação está mirando no médio prazo. Precisamos entrar no ano que vem já com a inflação mais baixa e ganhar nesse processo. Temos chance de fazer isso nos próximos dez meses.
O ministro Guido Mantega, em entrevista na semana passada à 'Agência Estado', disse que a alta do dólar não está tendo impacto na inflação. É uma avaliação diferente do que aparece na ata do Copom, que admite a pressão do câmbio.
Não sei, não li a entrevista. Nossa visão está bem clara na ata. Se der 20% de desvalorização, dá um ponto de inflação, o que é um caminhão de inflação.
Depois de um período tenso no câmbio, o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) acalmou os mercados e houve uma trégua. Mas, em algum momento à frente, os dólares vão começar a voltar para a economia americana e o câmbio aqui vai ser pressionado. Vai ser preciso subir mais os juros no Brasil para segurar o dólar e a inflação?
Não sei se há essa força toda no dólar. A situação da balança de pagamentos (contas externas do Brasil) é muito confortável. Temos financiamento e o investimento estrangeiro é muito resistente. O dólar, além disso, já andou, o que tem efeitos na balança de pagamentos.
Mas o que o BC vai fazer quando os dólares começarem a voar para os Estados Unidos?
Num momento desses, há, naturalmente, um certo nervosismo nos mercados globais. No Brasil não foi diferente. Há as questões internas, mas, independentemente disso, o que nós fizemos foi adotar uma atitude prudente de gerenciamento da dívida: o Tesouro deu um pouco de saída para aqueles que queriam, nós tiramos um pouco de risco das notas compromissadas. E do lado do dólar, o que fizemos foi tirar o excesso de volatilidade. Fornecemos hedge.
O Banco Central está preocupado com o impacto que a alta do dólar pode ter sobre as grandes companhias que se endividaram no exterior?
Temos feito reuniões periódicas nas últimas três a quatro semanas, para mapear essa situação, por meio dos bancos. Ontem mesmo comandei uma reunião de dia inteiro sobre esse assunto. Aquela coisa do pessoal alavancado, que teve problemas em 2008, não existe. Hoje conhecemos todas as estratégias, são 20 a 25, como opções exóticas, derivativos tóxicos, não tem nada parecido.
Mas há empresas bem endividadas em dólares... 
O que você está dizendo é diferente. De fato, o Brasil captou bastante lá fora, principalmente no último ano e meio, aproveitando o finalzinho do dinheiro barato. Mas não foi como em 2007, 2008, quando parecia que não havia risco cambial. Em 2012, captaram num ambiente em que, do ponto mais fraco ao ponto mais forte, o real se desvalorizou 25%. Num ambiente mais volátil, obviamente você é mais cauteloso. Já capta fazendo hedge.
E tem a experiência ruim de 2008...
Tem, se bem que a memória é sempre curta. Por isso, a gente fica em cima.
O BC detectou algum caso preocupante fora o das empresas de Eike Batista?
Nem esse caso é preocupante. Pode ter um casinho aqui, outro lá, mas, do ponto de vista sistêmico, que é o que interessa, não há problema. Tem países mais nervosos que o Brasil em relação à mudança da maré lá fora. Receberam mais e ficaram mais expostos.
Os bancos que emprestaram a Eike não precisarão fazer mais reservas contra inadimplência, o que reduziria recursos para a concessão de crédito?
Não tem essa dimensão. É ruim para a imagem do País, puxou a bolsa para baixo, mas não tem essa dimensão.
O que o deixa mais preocupado: as mudanças na economia americana ou a desaceleração da China?
O Fed (economia americana), pela influência nos mercados financeiros. A China afeta a economia real, bate nos preços das commodities (como as que o Brasil exporta).
Qual o impacto, no Brasil, da mudança da política do Fed?
É o início do fim do processo de dinheiro extremamente barato. Vimos o que aconteceu a partir de maio, quando o BC americano deu os primeiros sinais de mudança. O mercado se adiantou e provocou impacto nas moedas dos países emergentes. O BC americano sentiu aquele primeiro impacto, ainda que fosse na direção do que eles queriam, de desalavancagem, mas o processo foi muito rápido. As autoridades americanas perceberam, mostraram preocupação e procuraram acalmar o mercado. O mercado começou a entender que, se a economia americana se recuperar, é natural que haja uma redução dos estímulos, mas isso tem uma compensação. A economia americana vai crescer, o que é bom para todo mundo, inclusive para o Brasil. 
  Por DAVID FRIEDLANDER, RICARDO GRINBAUM - O Estado de S.Paulo em 21 de julho de 2013.

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