Imagem reprodução/Câmara
Cunha recusou a oferta da presidente Dilma, de sugerir nomes para o Ministério, e se vangloriou de sua posição
Sete meses depois de derrotar o governo, conquistar a presidência da Câmara e se transformar na principal referência da oposição, o deputado fluminense Eduardo Cunha terminou a semana surpreendido com a dimensão do seu isolamento dentro do próprio partido. Se ainda duvidava, teve demonstrações suficientes em Brasília e no Rio durante as últimas 72 horas.
Na quarta-feira, viu-se atropelado pela bancada de deputados federais nas negociações com o governo sobre a participação do PMDB na reforma ministerial.
A presidente Dilma Rousseff pedira ao partido uma lista de indicações para ministérios. Era manobra sem disfarce para arrefecer o ímpeto no Legislativo a favor do impeachment — insuflado por Cunha, a partir da Câmara, em discreto acordo com lideranças do DEM e do PSDB.
O governo começou a semana tentando cooptar os presidentes da Câmara e do Senado. O senador Renan Calheiros aparentou desinteresse. Procurou se manter distante do balcão governamental, mas sugeriu a Dilma procurar o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, seu aliado.
Dilma, em seguida, telefonou a Cunha, oferecendo-lhe possibilidade de conduzir a indicação de novos ministros. Ele seguiu a cartilha da recusa protocolar, com duas diferenças relevantes em relação a Renan: não deixou aberta a porta para entendimento com a bancada na Câmara e, mais tarde, vangloriou-se por ter dito “não” à presidente.
Dilma convocou o líder do PMDB na Câmara. Leonardo Picciani aceitou levar a proposta do governo aos deputados. Quando soube, Cunha chamou Picciani. Propôs união numa veemente recusa à oferta presidencial, se possível por escrito. O líder da bancada refutou, argumentando:“Você é oposição; eu, não. Você quer o impeachment; eu, não”.
DERROTA DE CUNHA FOI CELEBRADA
Picciani submeteu o pedido de Dilma aos deputados, em reunião na terça-feira. Depois de hora e meia de discussão sobre o veto de Cunha, decidiram no voto sobre a oferta presidencial.
O placar final (42 a favor e nove contra) expôs a dimensão do isolamento de Cunha. Demonstrou que ele perdeu a liderança da maioria (62%) da bancada — a mesma que, sete meses atrás, respaldara sua ascensão à presidência da Câmara, emulando 52% do plenário de 513 deputados.
Na manhã seguinte, quarta-feira, Picciani levou à presidente da República os nomes sugeridos pelos deputados. Cunha não conseguira vetar nem indicar nomes.
Sua derrota foi celebrada no PT e no Planalto como significativa vitória da presidente. Evidente exagero, pois, na gênese da erosão do poder de Cunha, pesa mais a vaidade do que a eficácia da ação paliativa de uma presidente que se deixou acuar pelo imobilismo.
Há 26 anos na política, ele fez do voo solo uma prioridade. Raras vezes aceitou ser liderado. Uma delas foi em 1989, quando foi patrocinado por PC Farias, tesoureiro da campanha presidencial de Fernando Collor. Outra foi em 2001, quando, sob pressão nos tribunais, em processos sobre corrupção, o governador Anthony Garotinho proporcionou-lhe foro privilegiado, com uma vaga de deputado estadual. Seguiu Garotinho na migração para o PMDB, aliados ao governo Lula. Logo se tornaram inimigos.
Com uma base estadual restrita, Cunha passou os últimos cinco anos em múltiplas e recorrentes brigas com a cúpula do PMDB do Rio. Atenuava os embates com ativa participação em negociações sobre royalties de petróleo e dívidas municipais, relevantes para os governos locais. Quando pediu, recebeu apoio estadual para a candidatura à presidência da Câmara.
Em fevereiro, elegeu-se para o terceiro posto na linha de sucessão da República. No mês seguinte, foi denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro em negócios da Petrobras. Reagiu com uma interpretação conspiratória. E partiu para o confronto aberto com o governo e o Judiciário.
Tentou levar o PMDB para a oposição, perdeu para o vice Michel Temer e o senador Renan Calheiros. Aproximou-se da ala oposicionista liderada pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), seduzida pela ideia de cassação do mandato presidencial (Cunha assumiria o poder e em 90 dias convocaria eleições). O devaneio durou pouco.
Perfilando-se com uma ala da oposição, Cunha entrou em rota de colisão com a cúpula do PMDB do Rio (o governador Luiz Fernando Pezão, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, o ex-governador Sérgio Cabral e o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani). Foram eles que expuseram o presidente da Câmara a uma segunda derrota, nas últimas 72 horas.
Nesta quinta-feira, o PMDB fluminense anunciou 71 candidatos a prefeito para a eleição de 2016, com 12 alianças — duas com o PT, em Niterói e Maricá. Cunha foi deixado à margem, sem consulta.
O político fluminense com maior projeção em Brasília, que em fevereiro despontara como uma promessa conservadora, ontem sequer teve seu nome inscrito na relação de convidados para a mesa principal da festa dos candidatos do PMDB no Estado do Rio.
Cunha imolou-se durante o voo solo. Não significa que esteja acabado. Continua com a influência derivada do controle da pauta de votações na Câmara. Não renunciou à soberba: “Você não faz ideia de como tenho sido ovacionado por onde passo...” — repet