O homem que inspirou Gerdau no movimento pela qualidade
Liderança nascida no movimento estudantil gaúcho levou a pioneirismo na área de gestão
Aos 16 anos, Sérgio Foguel chegou a Porto Alegre para cursar o segundo ano do Científico do Colégio Júlio de Castilhos e se preparar para o vestibular. Havia saído de Erechim, onde nascera numa família de imigrantes judeus: os bisavós da mãe, Sofia, vieram da Bessarábia (Rússia) e da Ucrânia, e o pai, Samuel, deixara a Polônia pouco antes da II Guerra Mundial. Ficou nas primeiras colocações em Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, ainda no primeiro ano, foi eleito secretário-geral do centro acadêmico. Era o início da década de 1960, quando a esquerda dominava o movimento estudantil. Não se ligara a nenhuma corrente, mas foi incluído entre os advertidos, na noite de 31 de março, por um professor benquisto - Roberto Médici, filho do general Emílio Garrastazu Médici, que viria a ser presidente.
- Como toda chapa havia sido eleita pela esquerda, ele nos fez chegar o aviso de que, desta vez, a rádio estaria cercada - relata Foguel.
Era uma alusão à Rede da Legalidade, que três anos antes havia ocupado rádios para assegurar a posse de João Goulart na presidência depois da renúncia de Jânio Quadros. Menos de 20 anos depois, o potencial integrante da resistência era frequentador assíduo do mais emblemático encontro do capitalismo internacional, o Fórum Econômico Mundial de Davos (Suíça). A ponte entre as situações começou a ser construída em seminário na Universidade de Harvard, em 1965, onde teve professores como John Kenneth Galbraith e colegas como o ex-senador Roberto Freire e os ex-ministros Pedro Malan e Sérgio Amaral.
- Com o cerceamento da política, comecei a dar aulas, e colaborei num projeto de construir uma casa como atividade educacional, na recém-aberta Avenida Nilo Peçanha. Uma associação de senhoras americanas havia percebido que a maioria dos líderes estudantis do Brasil era de esquerda, tinha aversão aos EUA. Conceberam um programa que levava 10 universitários de cada Estado - conta Foguel.
Era a Associação Universitária Interamericana (AUI), que, entre 1962 e 1971, levou cerca de 900 estudantes brasileiros aos EUA com apoio das empresas americanas instaladas no país. Além do curso de verão em Harvard, havia visitas a Washington e Nova York. Foguel descreve o programa como um ambiente "fantástico" de debate. Foi a porta de saída de Foguel do Rio Grande do Sul:
- Um ano depois, fui a um congresso de ex-alunos do programa em Pernambuco e conheci o programa de desenvolvimento do Nordeste. Voltei para desenvolver um projeto para facilitar o acesso de empresas gaúchas a incentivos fiscais. Dias depois da formatura, em 1967, viajei a Salvador para ver se era viável e nunca mais voltei.
Chamava-se Incrementa a empresa formada pela construtora Sultepa, Foguel e outros três jovens sócios baianos que trabalhavam em outros lugares. Responsável por tocar o dia a dia dos negócios, o gaúcho fez uma descoberta:
- Pouco depois de um ano, me dei conta do tamanho da minha incompetência.
A alegada incompetência era relacionada à gestão, que Foguel não tinha ideia do que fosse. Um diploma com mérito obtido em Harvard abriu as portas para a bolsa de mestrado em Administração de Empresas na Universidade da Califórnia.
- Quando voltei ao Brasil, descobri que era uma das poucas pessoas familiarizadas não só com planejamento estratégico como com comportamento nas empresas. O desenvolvimento de pessoas, de executivos, não era assunto no Brasil - observa.
Quando o país começou a acordar para desenvolver a capacidade de gestão, a Incrementa virou consultoria no segmento. Foi chamado por Norberto Odebrecht, que então dirigia uma construtora de médio porte na Bahia, e diagnosticou um problema de governança. Preparava-se para voltar a Boston e fazer um doutorado quando ouviu de Norberto, por telefone:
- Estou querendo transformar essa construtora em um grande grupo brasileiro diversificado, com atuação no Exterior, e preciso de uma pessoa com o seu perfil para lidar com planejamento e organização, que seja bom em finanças e aspectos legais.
Depois de mais de uma década com empresa própria, hesitou em compor a equipe de outra companhia. E o que seria uma experiência de um ou dois anos virou uma ligação de mais de três décadas. De 1977 a 2001, Foguel foi vice-presidente para governança corporativa, planejamento estratégico e desenvolvimento humano e organizacional da Odebrecht SA.
- Brinco que durante quase 25 anos não tive promoção - diz o executivo.
Agora integrante do conselho de administração, Foguel contribuiu com três processos de sucessão no comando central da Odebrecht - de Norberto para Emílio, para Pedro Novis e para Marcelo Odebrecht - e incontáveis outros na empresa. Retirante ao inverso - do Sul para o Nordeste -, Foguel lembra que se mudou para a Bahia, onde vive até hoje, porque a região estava "cheia de planos, ideias e perspectivas para o futuro, numa época em que o Rio Grande do Sul era amorfo, não tinha projeto de desenvolvimento". A situação mudou?
- Durante todos esses anos, fui vendo como o Rio Grande não conseguiu mobilizar o Brasil para apoiá-lo - afirma.
O inspirador de Jorge Gerdau
No Estado que tem Jorge Gerdau Johannpeter como pioneiro de programas de qualidade, às vezes é difícil enxergar em quem o homem de aço se inspirou. Gerdau foi vice-presidente na gestão de Sérgio Foguel no Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade, que deu lugar ao Movimento Brasil Competitivo. Foguel também foi o primeiro brasileiro a integrar a International Academy for Quality (IAQ).
- É uma instituição para a qual as pessoas não se candidatam, é preciso ser convidado. Aí nasceu essa atuação. Eu e o Gerdau somos parceiros de longa data e aprendemos muito um com o outro. Aqui, ele criou o melhor programa do país - diz Foguel.
Muito antes de o Brasil sequer sonhar com a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, Foguel inventou o Instituto da Hospitalidade. Em meados dos anos 1990, estava em Cingapura para acompanhar a construção de uma plataforma de petróleo para a Odebrecht quando começou a observar que os atendentes em balcões de hotéis e de loja eram certificados para o atendimento. Estava focado em programas para qualificação de jovens, especialmente no Nordeste, que vivia um surto turístico.
- A ideia de que uma pessoa pudesse certificar suas competências não era muito disseminada. Perguntei no que eles eram certificados, e a resposta foi "em qualidade". Eu insisti: "qualidade de quê?" A resposta me impressionou: "de servir com qualidade".
Depois de uma década atuando no instituto, Foguel viu os programas de formação serem adotados pelo Ministério do Turismo e diz que agora está na torcida "para que o Brasil vá saber receber bem".
Uma das visitas recentes de Foguel a Porto Alegre foi para assistir ao show de Paul McCartney. Aos 65 anos, casado com Elaine e pai de dois filhos, está mais interessado em se divertir com os netos, Lucca e Luiza. E, como trabalho também entusiasma, dedica-se ao planejamento de sucessões.
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