O texto a seguir retrata um pouco do muito que vive nosso país:
As instituições brasileiras nas esferas
judiciária, policial e do Ministério Público estão agindo republicanamente, não
se curvando a injunções políticas e partidárias
Algumas constatações
se impõem. Na crise, o Brasil cada vez se afunda mais. A recente redução do
superávit primário de 1,1% do PIB para 0,15 é o reconhecimento de que a mudança
pretendida é muito mais difícil e demorada do que se pretendia inicialmente. Na
verdade, a equipe econômica foi simplesmente incapaz de reduzir os gastos
públicos, dado o inchaço da máquina pública brasileira.
Ocorre que, nos
últimos 13 anos, houve um aumento generalizado de gastos sociais, de
atendimento a funcionários públicos, de infrutíferos gastos em educação com
universidades de baixa qualidade pululando pelo país, além de créditos a
estudantes incapazes de fazer uma redação e assim por diante. Tudo
evidentemente em nome do social, como se os recursos públicos fossem simplesmente
ilimitados, bastava a tal da “vontade política”, que nos levou a esse grande
impasse e descontrole da economia em geral.
Tão pesado é esse
fardo, essa herança maldita, que a agenda do governo consiste, paradoxalmente,
na discussão sobre aumentos salariais, tendo como mote o despropositado aumento
de funcionários do Judiciário em torno de 70%. Contudo, não é só isto.
Discute-se a eliminação do fator previdenciário, podendo levar a uma quebra de
uma Previdência já quebrada. Discute-se, também, o reajuste dos aposentados nos
mesmos índices do aumento do salário mínimo, além da inflação. A política
petista colhe os seus frutos.
Há um fato
incontornável que salta aos olhos. A crise atual está mostrando que o Estado
não cabe dentro de sua economia. Gasta mais do que arrecada e, mesmo assim, não
consegue oferecer atendimento adequado em áreas tão necessárias como educação
básica e saúde. De nada adiantam as bandeiras salariais e os tais de “direitos
adquiridos”, pois um dia a realidade se impõe. E ela está se impondo. Pode-se
protelar a situação como a Grécia o fez, mas um dia a conta terá de ser paga.
Discursos esquerdistas não servem nem mais para o teatro, pois são curtos e de
uma dramaticidade lamentável.
Acontece que essa
crise econômica possui também um forte componente político que só parece se
aprofundar em vez de se encaminhar para o seu equacionamento. E o componente
político se torna ainda mais problemático, tendo em vista que os seus atores
estão sendo comprometidos em processos de tipo criminal. Ou seja, a crise
econômica depende de uma crise política que, por sua vez, está atrelada a
processos investigativos e criminais. A política diante dos tribunais!
A crise política
imobiliza atores e acirra conflitos por estes estarem envolvidos em ações
penais e criminais. A política está sendo lida nas páginas policiais. Em uma
situação deste tipo, o seu desenlace termina por depender de investigações
policiais e do Ministério Público, e de seu julgamento pelos tribunais. Eis por
que a crise econômica não tende a arrefecer, pois o seu desfecho se situa para
além dela. O país está pego em um círculo vicioso.
Inegavelmente, as
instituições brasileiras nas esferas judiciária, policial e do Ministério
Público estão agindo republicanamente, não se curvando a injunções políticas e
partidárias. O país vive uma Operação Mãos Limpas. Alguns acreditavam que tal
processo não iria se perpetuar e, em algum momento, os tribunais superiores,
sob pressão política, iriam anular a Operação Lava-Jato por questões
processuais ou aliviar a situação dos grandes empreiteiros envolvidos via
concessão de habeas corpus. Também sustentavam que os políticos de alto escalão
seriam preservados.
Ora, sinalizações
contrárias já vinham sendo dadas via não concessão de habeas corpus, e o
próprio Supremo já autorizou operações de busca e apreensão em escritórios e
residências de senadores importantes. As instituições republicanas estão sendo
fortalecidas, com forte apoio da opinião pública. O cerco está se estreitando.
Contudo, mesmo aqui,
já há um sinal amarelo se acendendo, consistente em uma interferência de
tribunais e instâncias superiores neste trabalho, como se juízes, promotores e
policiais tivessem chegado a seu limite. O ministro Ricardo Lewandowski
suspendeu a análise de um processo da Lava-Jato até que o juiz Sérgio Moro
esclareça a citação do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, por
um réu envolvido em uma delação premiada. Do ponto de vista jurídico, ele tem
razão.
O perigo consiste em
que não se trate apenas de um “esclarecimento”, mas de uma primeira trava à
qual se seguiriam outras, dentre as quais a anulação do processo ou a liberação
de prisão dos envolvidos. Seria a desmoralização completa do Judiciário, de
consequências imprevisíveis.
O mesmo vale para a
Corregedoria Nacional do Ministério Público, que acolheu pedido do
ex-presidente Lula ao instaurar um procedimento disciplinar para apurar a
conduta de Valtan Timbó Mendes Furtado, procurador responsável por sua
investigação criminal. Teria ele cometido a imprudência de investigar as
relações do ex-presidente com a empreiteira Odebrecht, o que seria
provavelmente um crime de lesa-majestade! A política está aqui também
adentrando o trabalho independente das instituições, acendendo outro sinal
amarelo.
Um impasse deste
tipo, de múltiplas facetas e condicionantes, exigiria uma autoridade política
capaz de desatar esses nós que se enosam entre si. Ora, a presidente está, por
sua vez, enosada em si mesma, com discursos incongruentes e práticas de
governar que se contradizem entre si, sem nenhum reconhecimento de seus erros
passados.
Sua aprovação de
ótimo/bom de 7% perde para a inflação de 9%! Está praticamente isolada, além de
ilhada em seu círculo íntimo. O momento exigiria uma atitude de estadista,
voltada para um grande governo de união nacional. Se não mostrar competência e
apetite para isto, o país continuará em um processo de crises sucessivas de
maior ou menor intensidade ou deverá ela encarar os fatos e renunciar, em nome
do Brasil.
Denis Lerrer
Rosenfield é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul e assinaem o Globo a coluna Opinião do em 27/07/2015